Carta aos irmãos no Brasil - 1a de Férias
Segunda, 8 de Junho de 2020
Anderson Oliveira, seminarista brasileiro, comedor de camarão e apreciador de um bom forró em terras estadunidenses de fast-food, de estações bem definidas e espaços pessoais delimitados, onde também desfruto de verdadeira comunhão cristã que transcende nacionalidades, pois vem de um Deus altíssimo em quem não há diferença entre judeu e grego, negro e branco, brasileiro ou americano[1].
Escrevo aos amados irmãos acerca dos meus últimos dois meses morando na cidade de Grand Rapids e das experiências e aprendizados desse período. Aquilo que tenho vivido coram Deo (isto é, diante de Deus) procuro compartilhar com vocês na esperança de matar a saudade, encorajar e, quem sabe, até instruir os irmãos, seja por exemplo ou contraexemplo, lembrando sempre que é em Cristo somente que temos o perfeito tesouro de conhecimento e sabedoria[2] e perfeito modelo, em quem somos conformados de glória em glória pelo seu Espírito[3].
Hoje, enquanto escrevo aos irmãos, já estou de férias e desfruto de relativa tranquilidade e paz de espírito. Mas confesso que nos últimos meses o descanso e a quietude tem sido mais exceção do que regra. Além de toda a adaptação esperada de um seminarista internacional, tive de enfrentar, como todos os amados, a crise da pandemia. Com o avanço do vírus, as aulas foram transmitidas ao vivo por vídeo e o acesso à biblioteca foi restringido.
Mesmo tendo buscado me preparar de antemão, vejo agora que subestimei o rigor acadêmico desse seminário. Dada a minha inexperiência e o processo de adaptação, tive muitas dificuldades em fazer todos os trabalhos dentro do prazo e precisei pedir uma extensão, que me foi graciosamente concedida pelo Dr. Beeke.
Devo dizer que a maior parcela de culpa não foi do vírus, mas foi minha. O acesso limitado apenas a recursos digitais de fato dificultava as coisas, mas não me impedia a pesquisa, uma vez que foram disponibilizados muitos recursos online. Mas o acúmulo de atividades foi o principal fator que contribuiu para um semestre desgastante.
Foram dias difíceis, de muita oração e trabalho. Por necessidade, comecei a estudar orando e dou graças ao Senhor por me dar ocasião de aprender isso. Sinto que hoje posso compreender um pouquinho melhor o lema hermenêutico do reformador João Calvino, orare et labutare (orar e trabalhar). O Senhor me sustentou pela sua graça e misericórdia e pude concluir o semestre com excelência, inclusive, tendo felizes surpresas de receber notas boas no final. Não foi fácil, mas a boa mão de Deus nunca largou a minha, ainda que muitas vezes eu fizesse menção de soltá-la.
Foi por isso, amados, que demorei tanto a escrever nova carta. Peço perdão aos irmãos que aguardaram sem resposta o feedback do mês passado. Mas claro, minha vida aqui não se limita a estudos. Pela graça de Deus, tenho recebido o caro presente de boas amizades, tanto de brasileiros que também estudam aqui como de irmãos americanos muito queridos. Junto com a minha família e amigos do Brasil, são eles que tem me sustentado nos dias mais difíceis e que tem me dado broncas e conselhos para o viver piedoso, à luz das Escrituras[4].
É muito interessante perceber que, apesar das diferenças culturais, da diversidade de tom de pele, das muitas línguas e trejeitos, o Senhor sempre reuniu, reúne e continuará reunindo para Ele um povo multiétnico[5]. Sou grato ao Senhor por poder viver essa experiência transcultural. Creio que seja algo enriquecedor para todo ser humano e especialmente belo e proveitoso para o Cristão.
Queridos, me permitam tratar de outro assunto agora. Temos vivido dias difíceis de polarizações políticas, de guerra de narrativas e de distorção da verdade. Me parece que tanto nos Estados Unidos como no Brasil, há uma grande guerra de egos e um esforço monumental de autoafirmação em detrimento da afirmação da verdade. Isso perpassa todas as posições políticas, todas as cores de pele, todas as línguas e todas as culturas.
É triste constatar, mas é verdade: assim como a imagem de Deus vem à todo homem na criação, também, o pecado chegou a toda a humanidade na queda de Adão, distorcendo essa imagem divina. Nós temos um grande problema hoje, que vai além de todo e qualquer dano que um vírus ou grupo político possa causar. Há uma desgraça na condição humana: o pecado.
Precisamos lembrar hoje das palavras do Apóstolo Tiago no século primeiro:
Donde vêm as guerras e contendas entre vós? Porventura não vêm disto, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais e nada tendes; logo matais. Invejais, e não podeis alcançar; logo combateis e fazeis guerras. Nada tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites. Infiéis, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. (Tiago 4:1-4, Almeida Atualizada)
Qual é o problema da humanidade? Será que é o presidente, seja o atual ou algum dos anteriores? Algum partido, movimento, grupo revolucionário ou conservador? Será que é o preconceito, em suas muitas formas? Será que é esse mesmo o problema?
Não, queridos, não é. Nosso problema é o pecado. Não o pecado do meu inimigo, nem o pecado daqueles com quem eu convivo. O meu maior problema é o meu pecado e o seu maior problema é o seu pecado.
E se não entendermos realmente nosso problema, como vamos achar solução? Se não deixarmos essa verdade assentar no coração para o arrependimento do nosso próprio pecado, e se não movemos as mãos em socorro do nosso próximo, de nada adianta nossa religião, pois é falsa e vã[6]. Depois disso, e somente depois disso, podemos pensar em reformar a sociedade, pela graça de Deus e na dependência do Espírito. Mas antes, lhe convido a olhar para seu próprio coração e apresentá-lo do jeito que está a Deus.
Não foi o senhor Jesus que disse para antes de querer tirar o cisco do olho dos outros tirar a trave dos nossos[7]? Não foi ele mesmo que se fez homem e habitou entre nós[8], ainda sendo Deus, se humilhou na condição humana[9] para servir e lavar os pés[10] daqueles que ele já sabia que iriam o trair[11]?
Em tempos de conceitos flutuantes, preciso dizer de maneira clara: não defendo aqui bandeiras nem partidos. Quem estiver agora, nesse instante, lendo (ou ouvindo) algo diferente do Evangelho de Cristo, pode ser por falha minha, mas não é o que quero comunicar. Meu ponto é esse, e somente esse: nosso grande problema é o pecado, e a única solução é o evangelho e não há real esperança fora disso.
Amados, como de costume, tenho compartilhado com vocês um pouco da minha vida e uma reflexão pessoal. Mas gostaria de adicionar a esta carta um pedido de oração: tenho buscado discernir melhor a vocação para a qual o Senhor tem me chamado e ultimamente tenho me sentido mais e mais inclinado à área de educação cristã. Não sei muito bem o que o Senhor tem preparado para mim no futuro, mas peço que orem por isso, assim como pelo meu ministério de forma geral.
Encerro essa carta dizendo que estou disponível aos irmãos para o que precisarem, estando apenas a uma mensagem, e-mail ou ligação de distância. Que o nosso Senhor Jesus nos guarde em sua paz e nos dê paz em todas as circunstâncias. O Senhor seja com vocês[12].
Do seu amigo e irmão indigno,
Anderson Oliveira.
[1] Gálatas 3:28.
[2] Colossenses 2:3.
[3] 2 Coríntios 3:18.
[4] 2 Pedro 1:3-5.
[5] Apocalipse 5:9.
[6] Tiago 1:27.
[7] Mateus 7:3-5.
[8] João 1:14.
[9] Filipenses 2:5-11.
[10] João 13:5.
[11] João 6:70.
[12] 2 Tessalonicenses 3:16.